IA polícia da falsificação

Falsificações, tema bem recorrente em histórias policiais, ainda mais se estamos falando de obras de arte. Engana-se quem acha que são raros os casos de troca de obras ou pessoas querendo vender algo de centavos como se fosse algo milionário. Sendo o terceiro mercado mais lucrativo, atrás apenas de armas e drogas, o mercado negro das artes dá muito trabalho para os autenticadores. Por exemplo, o Museu Terrus na França descobriu em 2018 que mais da metade das pinturas em sua coleção eram falsas!

“O historiador notou primeiro discrepâncias no estilo das pinturas, reparando que alguns dos edifícios apresentados nas telas ainda não haviam sido construídos quando Terrus pintava. Forcada também apontou inconsistências nos materiais utilizados, acrescentando que a tinta da assinatura era facilmente removida com uma luva” VEJA, 2018

Porém nem sempre são perceptíveis os indícios de uma obra falsa, para os reconhecer foi preciso do avanço tecnológico e o desenvolvimento de técnicas como:

Análise Morelli

Como o próprio nome indica, foi desenvolvido pelo físico Giovanni Morelli e consiste em fazer uma análise exaustiva da pintura, juntamente com um estudo estilístico. É um método empírico que diferencia obras genuínas de falsas devido a acréscimos de falsificadores. Por exemplo, cores que originalmente não existiam ou técnicas que ainda não foram inventadas na época em que foi pintada.

Autenticação digital

Mais conhecido como análise estática de imagens digitais. Como se faz? Uma imagem é separada em várias partes. É uma das melhores técnicas para detectar obras de arte falsas. Esta análise analisa as várias texturas da pintura para determinar sua autenticidade. Por exemplo, um céu azul terá baixas frequências, enquanto a cor da grama terá altas frequências.

Autenticação forense

Sim, você leu forense corretamente. Trata-se de identificar obras de arte falsas com datação por carbono. Com este método, é possível determinar a idade de um objeto. As radiografias convencionais também são usadas para verificar se há uma pintura abaixo da atual. Por outro lado, a termoluminescência é uma técnica para verificar a autenticidade de peças de barro e cerâmica. Os mais antigos produzem mais luz quando aquecidos do que os modernos.

Mas claro que com o passar dos séculos os falsificadores também foram ficando mais espertos. Como mostra o episódio 6 da série ficcional Scorpions, nele as personagens precisam descobrir quem criou uma falsificação quase perfeita, feita por uma máquina que imita as pinceladas do pintor original. Parece fantasia mas isso foi feito aqui mesmo no Brasil durante as pesquisas do catálogo Raisonné do Portinari.

Há uma série de regras que se precisa seguir para que possa existir um catálogo desses completo, uma delas é a catalogação de literalmente todas as produções artísticas do pintor e é ai que eles toparam com o problema obras falsas. Graças a um trabalho conjunto das áreas de Matemática, Física e Informática, foi possível ao Projeto Portinari, sob o comando de seu filho o Professor João Candido Portinari, propor um novo caminho, usando recursos das áreas de inteligência artificial, classificação automática, redes neurais, entre outras. Surgiu assim o Projeto Pincelada, que busca comprovar a autenticidade de uma obra partindo de uma amostragem de macrofotografias de pinceladas do artista, recolhidas em trabalhos reconhecidamente autênticos.

Em 1990 surgiu a ideia de procurar enriquecer o arsenal tradicional de técnicas já utilizadas para a atribuição de autoria de pinturas com um olhar novo, buscando encontrar um invariante na morfologia das pinceladas do autor. Logo em seguida, seu colega George Svetlichny, do Departamento de Matemática da PUC-Rio, teve a ideia de submeter esta amostra de pinceladas a algoritmos de classificação automática, por técnicas de inteligência artificial, em particular métodos bayesianos (avaliação de hipóteses pela máxima verossimilhança), utilizando o programa Autoclass.

Este processo contou assim com a colaboração da Nasa, que havia criado o Autoclass. O programa ficou famoso, após descobrir uma nova classe de objetos celestes, a partir do estudo de informações coletadas pelo satélite IRAS (Infra-Red Astronomical Satellite). O Autoclass foi cedido ao Projeto Portinari pelo grupo do Research Institute for Computer Science, da Nasa, com o objetivo de servir à classificação de espectros de pinceladas (curvas obtidas a partir das macrofotografias das pinceladas por meio de transformações matemáticas). A análise de uma amostra significativa das pinceladas de Portinari está sendo preparada pelo Projeto, em colaboração com os departamentos de Informática e Matemática da PUC-RIO, nas pessoas dos professores Ruy Milidiu e George Svetlichny, e de um grupo de alunos de pós-graduação.

Foi também criada a Comissão para Estudo da Autenticidade das Obras Levantadas pelo Projeto Portinari, que vem se reunindo desde 1985. Para consolidar esse estudo, foi criado um Atestado de Autenticidade, emitido para as obras autênticas e hoje considerado importante instrumento de salvaguarda dessas obras. Tal procedimento, também pioneiro no Brasil, tem servido de exemplo para outros empreendimentos similares.

Este trabalho foi apresentado na “Segunda Conferência Internacional sobre Hipermídia e Interatividade em Museus — ICHIM”, na Universidade de Cambridge, em 1993, verificando-se então que realmente era uma proposta original.

Mais recentemente, o Professor Arne Jensen, do Departamento de Matemática da Universidade de Aalborg, na Dinamarca, passou a colaborar com o Projeto Portinari, na busca da comprovação da hipótese inicial. Em 26 de novembro de 2009 o Projeto Portinari teve a alegria de receber sua mensagem:

“…Nosso estudante de doutorado programou o algoritmo em Matlab, e os resultados são espantosos. Baseado em 8 scans autênticos e alguns falsos, os autênticos se distinguem claramente das falsificações. Assim, a hipótese de que as pinceladas caracterizam o pintor está confirmada.”

Tornou o que ainda era considerado teoria uma verdade. Comprovou que atualmente é impossível imitar fielmente a obra de alguém, pois uma IA pode, após ser ensinada, distinguir uma obra real de sua falsificação. Porém como aborda um dorama chamado Apostando Alto a tecnologia está sempre evoluindo pro bem e pro mal. Quando uma tecnologia surge impedindo a fraude, outra aparece logo depois, forçando o avanço. Claro que sou contra qualquer falsificação, mas essa disputa movida pela ganância humana não seria um pouco benéfica?

BIBLIOGRAFIA:

PROJETO PORTINARI. Portinari, 2018. Disponível em: http://www.portinari.org.br/. Acesso em: 01, março de 2022.

ART RECOGNITION. Art Recognition AG, 2019. Disponível em: https://art-recognition.com/. Acesso em: 01, março de 2022

POSSO RECRIAR A OBRA DE REMBRANDT?. O futuro das coisas, 2022. Disponível em: https://ofuturodascoisas.com/posso-recriar-a-obra-de-rembrandt/. Acesso em: 01, março de 2022.

Ciencia en el arte: ¿Cómo se identifican las obras de arte falsas?. Fahrenheit Magazine, 2022. Disponível em: https://fahrenheitmagazine.com/arte/visuales/como-identifican-obras-arte-falsas. Acesso em: 01, março de 2022.

Museu francês descobre que mais da metade de suas pinturas são falsas. Abril Mídia S A, 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/museu-frances-descobre-que-mais-da-metade-de-suas-pinturas-sao-falsas/. Acesso em: 01, março de 2022

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